In memoriam – Prof.ª SIMONA FRATIANNI – Texto: Prof. João Afonso Zavattini

13/10/2020 15:38

In memoriam – Prof.ª SIMONA FRATIANNI –  *23-02-1974 †11-09-2020

 

Em Bardonecchia, com saudade do Brasil.

Já era noite alta em Turim, faltavam apenas quinze minutos para a meia-noite, quando Simona Fratianni nos deixou para sempre, em 11 de setembro de 2020. O processo de sua partida foi muito rápido, cruel e inexorável. Em fevereiro, no seu último aniversário, ela estava bem-disposta, muito feliz e radiante, como de costume. Em março, no aniversário de Niccolò, seu único filho, nenhum sinal de anormalidade, tudo era festa e alegria. Foi somente em meados de abril, quando a fadiga e a tosse passaram a incomodá-la – primeiros sinais do agravamento e expansão da implacável moléstia – que Simona decidiu recorrer à medicina. Mas, infelizmente, já era tarde demais.

É perfeitamente compreensível esse seu provável descuido. Afinal, sendo tão jovem e solar, como é que Simona poderia acreditar que algo severo estava tomando conta do seu corpo e minando suas forças vitais? Enfim, sem julgamentos hipócritas, trata-se de uma tragédia que qualquer um de nós poderá ter que enfrentar, pois o futuro é imprevisível, queiramos ou não. Tão imprevisível que nos tirou Simona, cujo convívio era extremamente agradável, uma colega muito prestativa, uma amiga com quem se podia sempre contar, fosse quando fosse. Indelevelmente, permanecerão todos os momentos vividos – alegres e tristes -, as conquistas alcançadas, as decisões acertadas e os erros cometidos, em suma, tudo o que pudemos compartilhar. Uma amizade iniciada em Gênova, em setembro de 20051, por ocasião do XVIII Colloque Internationale de Climatologie da AIC, e que começou com genuína simpatia “à primeira vista”2.

Ouso afirmar que a generosidade de Simona é “de base genética”, pois seus familiares mais próximos – pai, mãe, irmã e irmão – são como ela. Muito agradáveis, sempre me franqueavam seus lares onde as confraternizações eram memoráveis3. Sou eternamente grato por tê-los conhecido e com eles convivido. E como poderia eu agradecer à minha querida amiga Simona Fratianni, uma italiana que amava o Brasil, o seu clima, a sua gente, as suas paisagens naturais?4 Como agradecer-lhe pelo gentil acolhimento, por toda a hospitalidade ao longo dos estágios de pós-doc5, na Università degli Studi di Torino (UNITO)? Pelos convites para congresso, excursão, aula, palestra, banca? Pelos convênios de cooperação científica firmados com a UNESP de Rio Claro e a UFSC de Florianópolis? É simplesmente impossível! Como prosseguir, agora, com nossa parceria em pesquisas? Algumas com resultados parciais publicados, outras em andamento e gestação? Creio que somente quando essa dor profunda de sua perda serenar – se é que vai – eu poderei responder a tais indagações.

Em 2005, Simona Fratianni, cautelosa com a responsabilidade de um estágio pós-doc por mim solicitado, disse que iria, antes de tudo, consultar o Professor Augusto Biancotti (UNITO). Todavia, ao retornar de Gênova para Turim, foi surpreendida pela morte iminente de seu adorado mestre. E, de igual modo, ela surpreender-se-ia em novembro de 2016, quando, após participar do XII SBCG (Goiânia), chegou a Florianópolis no dia exato em que a querida Professora Magaly Mendonça também nos abandonava. Fatalidades da vida! Em uma certa tarde do outono de 2006 – a data eu já não sei mais precisar – na sala que pertencera a Augusto Biancotti e passara a ser de Simona, vivi um momento de rara singeleza. Foi quando ela, numa “piccola pausa-caffè” de nossos frequentes colóquios de pesquisa6, deixou escapar, inadvertidamente, um pensamento recôndito e tocante ao me dizer que a vida havia lhe tirado um mestre e dado um outro, vindo de longe. Confesso que fiquei estupefato ao ouvi-la e, com toda franqueza, petrifiquei por alguns instantes. Logo eu, que jamais imaginei ouvir algo do gênero? Menos ainda vindo de uma professora italiana, “do mundo desenvolvido”, com quem eu vivia brincando e dizendo que vinha do “mundo subdesenvolvido” e que não passava de um “brasiliano sottosviluppato”. Ainda hoje, quando me lembro daquela ocasião, penso que Simona não tinha a exata noção de sua importância para a climatologia italiana e europeia e, menos ainda, da grandeza de sua alma.

Simona, cara mia, che tristezza averti perduto! Não é justo você já ter ido, não poderia ter sido assim, você primeiro, antes que eu me fosse. Não há lógica nessa partida tão precoce. Grazie infinita, carissima amica. Riposa in pace eterna!

Texto: Prof. João Afonso Zavattini – Florianópolis/SC, 11 de outubro de 2020.

Homenagem do Laboratório de Climatologia Aplicada (LabClima) do Departamento de Geociências da UFSC e da Associação Brasileira de Climatologia (ABClima).

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Notas:

1 Em outubro de 2004, durante o VI SBCG em Aracaju (SE), pedi ao amigo Vincent Dubreuil, da Université de Rennes, que me sugerisse alguns nomes de professores italianos visando a um estágio pós-doc em futuro ano sabático (2006/2007). Ele, então, indicou três possíveis contatos: um em Gênova, outro em Ferrara, e Simona Fratianni, da UNITO, em Turim.

2 A Profª Juliana Ramalho Barros, da Universidade Federal de Goiás (GO), testemunhou esse momento mágico.

3 Contudo, o “cantinho” preferido de Simona sempre foi a moradia dos pais em Bardonecchia, uma pequenina cidade dos Alpes Italianos, na fronteira com a França, onde os invernos costumam ser rigorosos e propícios aos esportes na neve e, os verões, quase sempre brandos e repousantes.

4 Conheceu várias capitais estaduais [São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus (X SBCG), Curitiba (XI SBCG), Goiânia (XII SBCG) e Florianópolis], algumas cidades interioranas [Rio Claro, Londrina, Foz do Iguaçu], e um trecho do Cerrado goiano; embora tenha gostado muito das praias cariocas, Simona elegeu as de Florianópolis como suas preferidas.

5 O primeiro, mais longo, durou treze meses (março/2006 a abril/2007); o segundo, mais curto, foi de quatro meses (dezembro/2010 a março/2011).

6 Nos quais eu por vezes tentava mostrar a importância do paradigma do ritmo para uma climatologia mais geográfica e menos estatístico-meteorológica, e quão enganoso é identificar, a partir de “normais” climatológicas, o “habitual” e o “excepcional” nas séries de dados temporais.